José Ortega y Gasset
Fiz apenas um relato, dos inúmeros que um professor enfrenta em seu cotidiano. As dificuldades de lidar com a realidade das escolas públicas, a falta de recursos, os problemas sociais e as situações desumanas que tornam essa profissão tão nobre e, ao mesmo tempo, tão desgastante. Trata-se uma história de superação, resistência e de uma dolorosa decisão de abandonar a sala de aula. Este é um relato que revela não apenas as circunstâncias que levaram à desistência, mas também a força necessária para seguir em frente.
Em 2008, ano marcado pela crise econômica mundial que teve origem no setor imobiliário dos Estados Unidos, dei início à minha jornada como professor de geografia. Naquela época, mal sabia eu o que estava por vir. Enfrentaria crises muito mais intensas nessa profissão, uma em mais de 700, segundo dados do IBGE. Poderia ter optado por outros caminhos, mas como se diz, nunca é tarde para mudar.
Minha trajetória sempre foi marcada pelo ambiente público. Durante o ensino médio, tive o privilégio de estudar em uma escola que beirava a perfeição. Era um local fantástico, com arquitetura diferenciada, teatro, banda, quadras esportivas e uma atmosfera inspiradora. Anos em que sequer faltei um dia às aulas!
Ao concluir o ensino médio, após algumas incursões no mundo da computação que viriam a se concretizar duas décadas depois, e conflitos com meus pais sobre o rumo a seguir, decidi cursar Geografia. A ideia de explorar novos lugares através de viagens parecia um chamado irresistível.
Logo após me formar, dei meus primeiros passos como professor em uma escola pública em São Bernardo do Campo-SP. Era uma instituição razoável, de porte pequeno, com profissionais dedicados, porém exaustos, como é comum nas escolas públicas. Após 4 anos, surgiu a oportunidade de ingressar na prefeitura de São Paulo, no Centro Unificado de Ensino nos arredores de Paraisópolis.
A rotina logo se tornou uma dupla jornada extenuante, com mais de 40 horas de aulas por semana. O salário era modesto, os recursos didáticos escassos, e os problemas sociais se manifestavam em todas as direções. O diretor, às vésperas da aposentadoria, parecia ter desistido da luta, largado a toalha, e eu me via no ápice do que viriam a ser os piores anos da minha vida profissional.
Não é preciso dizer que foi uma travessia desumana. Lembro-me vividamente de uma professora me alertando quando eu tinha 24 anos: "Ainda dá tempo para desistir." Décadas mais tarde, compreendi plenamente o peso das palavras dela, um verdadeiro pedido de socorro velado.
A entrada nas salas de aula era como subir ao front de batalha todos os dias. Lidar com sete quintas-séries não era tarefa fácil. As fileiras de alunos estavam ajustadas com um braço de distância, e eu era constantemente chamado de "pai", devido ao alarmante índice de abandono parental. A defasagem nos conteúdos era gritante, mas o mais chocante era ouvir de um aluno que não podia fazer uma maquete do seu quarto porque dormia na cozinha.
Um colega professor, alto, barbudo, corpulento, não compreendia o "sistema" e sofria como um novato no campo de batalha. Era desrespeitado pelos alunos, alvo de xingamentos e até mesmo de sacos de urina atirados contra ele. Em um mês de trabalho, pediu exoneração.
No entanto, o momento que selou minha decisão foi um dos mais sombrios que já vivenciei. Foi mais impactante do que receber um acréscimo de cem reais por concluir o mestrado.
Após esse episódio, enfrentei a árdua tarefa de comunicar aos pais o que havia ocorrido e informá-los que seu filho voltaria para casa mutilado. Naquele momento, os sintomas da síndrome de Burnout já se manifestavam em mim, um estado de exaustão decorrente da prolongada exposição ao estresse. Cheguei em casa naquele dia e raspei a cabeça, como se pudesse exorcizar toda a angústia e frustração que carregava.
Aquilo foi o fim. Disse a mim mesmo que precisava mudar. As circunstâncias eram insuportáveis e, consequentemente, meu mundo também. Dediquei-me a estudar dia e noite, em todos os intervalos, buscando uma saída. Após meses de esforço incansável, finalmente consegui passar em outro concurso de nível médio e com salário muito maior para trabalhar em um escritório tranquilo na rede federal. Fui até o diretor e, quando ele me perguntou: "Tem certeza de que quer sair?" respondi sem hesitação: "Nunca estive tão certo em toda a minha vida."
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